O tratamento do câncer tem apresentado um progresso nas últimas décadas. Nos casos dos tumores sólidos, a cirurgia pode ser a porta de entrada do paciente no tratamento oncológico, pois é através da intervenção cirúrgica que muitos chegam para investigar o diagnóstico, através das biopsias ou para dar início ao tratamento. Os pacientes que tem a cirurgia como uma das estratégias de tratamento podem passar por um processo de reparação ou mutilação do corpo, como também, podem vivenciar o luto pela perda da saúde. Eles entram em contato com as perdas reais e até mesmo simbólicas, como a perda de alguma parte do seu corpo ou de sua integridade. É importante destacar que a cirurgia é uma das mais antigas modalidades de tratamento do câncer e uma das principais armas de combate a essa patologia.
No caso de uma mastectomia (remoção parcial ou total da mama), por exemplo, uma mama pode representar a marca da feminilidade de uma mulher, ou nos casos de pacientes que amputam um membro, como a perna, pode representar uma ameaça a autonomia do sujeito. A partir da representação que esse órgão/parte tinha para ele, cada paciente impõe um significado diferente a parte retirada. A cicatriz que fica após a cirurgia pode trazer uma mudança de identidade, pois a imagem corporal também faz parte do processo da identidade pessoal, encontrando-se alterações na autoestima e na autoimagem. Além de tudo isso, é preciso passar pelo processo de recuperação exigido por um procedimento cirúrgico.
Acrescido as perdas simbólicas e mudanças citadas, tem-se a ansiedade para alcançar a cura. No imaginário de que na cirurgia se retira parte do corpo doente, pode-se fantasiar que a doença será retirada. Geralmente, a intervenção cirúrgica é um momento em que o paciente se depara com manifestações de ansiedade e tristeza. Os profissionais devem ficar atentos para essas possíveis manifestações de um corpo e uma mente doentes, que se unem formando o ser integral, para poder trabalhar de modo humanizado.
Para oferecer um suporte emocional de qualidade ao paciente cirúrgico, segundo os escritores Ismael e Oliveira (2008), algumas situações devem ser analisadas, como: se o paciente percebeu a doença que o acometeu, ou se percebeu e adiou sua investigação; se já adoeceu anteriormente, como foram essas experiências e como interagiu com ela do ponto de vista emocional; qual a sua rede de apoio; e como a sua família e o meio em que vive reagiram a essa situação. No caso das crianças e adolescentes assistidos na Casa Durval Paiva, além de ficar atento ao comportamento e expressão de sentimentos dos pacientes, também é preciso ficar vigilante como os familiares se posicionaram diante dos primeiros sinais e sintomas.
Durante a internação cirúrgica, o psico-oncologista pode observar diversos sinais, como o nível de ansiedade e angústia, a disponibilidade de escuta, os medos, as fantasias, as crenças, estigmas, preconceitos, os mecanismos de defesa, a sobrecarga emocional, o apoio familiar, a rede de apoio social, os recursos de enfrentamento, a dinâmica de personalidade e conhecimento sobre a doença.
Muitos fatores psicológicos estão presentes durante o tratamento desses pacientes. Submeter-se a uma intervenção cirúrgica pode levar o paciente a fazer uma reavaliação de seus valores, uma vez que o processo de adoecimento permite que ele repense a sua vida. Geralmente, eles fazem reflexões sobre a vivência de seus sentimentos, suas inseguranças e medos. Pacientes e familiares pensam no futuro incerto, no que poderia ter feito e no que e como poderá fazer. Os adolescentes param para refletir de modo mais intenso nos seus projetos futuros e nos seus sonhos. Apesar da marca simbólica negativa, o câncer pode trazer um novo sentido para a vida das pessoas.
Alguns pacientes oncológicos, após receber o diagnóstico, passam a valorizar os aspectos comuns do cotidiano, priorizando os relacionamentos e a convivência familiar. Tornam-se pessoas mais reflexivas, passando a ter mais atenção, cuidado e demonstrando mais carinho às pessoas que fazem parte de sua vida. Porém, não são todos os pacientes que possuem esse comportamento, muitos deles têm questões problemáticas externas ao processo de tratamento que eram evidentes e são reforçadas pelo processo de adoecimento.
Laíse Santos Cabral de Oliveira.
Psicóloga – Casa Durval Paiva – CRP 17-3166.