A hospitalização e o tratamento oncológico ocasionam muitas mudanças na vida da criança e de sua família, pois além da criança estar em um lugar até então desconhecido, longe dos seus familiares e da escola, ainda tem que se acostumar a uma intensa alteração na sua rotina, novos horários, pessoas desconhecidas e procedimentos invasivos, como: exames e injeções.
O brincar, por sua vez, favorece o desenvolvimento da criança, facilitando entre outras coisas a aprendizagem. As brincadeiras aparentemente simples são importantes, pois funcionam como estímulo ao desenvolvimento cognitivo, social e afetivo da criança, sendo também uma forma de auto-expressão. Através do brincar, a criança pode desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória, e a imaginação.
A criança que brinca no hospital consegue transformar o ambiente, aproximando-se um pouco da sua rotina antes de adoecer e, consequentemente, tornando esse local menos ‘ameaçador’. É através dessa brincadeira que a criança expressa o que tem dificuldade de dizer com as palavras.
Na rotina diária com os pacientes da Casa Durval Paiva, é possível observar que as crianças hospitalizadas ou que estão em tratamento oncológico repetem nas brincadeiras os procedimentos que os médicos e as enfermeiras realizam nelas. Desse modo, as crianças encontram a possibilidade de elaborar os procedimentos médicos aos quais são submetidas.
Utilizarei como exemplo o caso de uma paciente, que na época tinha 05 anos e a quem chamarei Maria. A pequena, em questão, estava vivenciando um momento de recaída da Leucemia, momento esse tenso, permeado de medos e incertezas, causando, também revolta tanto para o paciente quanto para sua família. Justamente, o que vinha acontecendo com Maria e, por esse motivo, em uma visita minha ao hospital em que estava internada, sua mãe relatou estar muito preocupada com a filha, pois a criança estava se recusando a colaborar com o novo tratamento, bem diferente de seu comportamento no primeiro. Confidenciou ainda que a filha falava muito no cabelo, que não queria ficar careca outra vez, consequência das quimioterapias do primeiro tratamento. Olhava-se no espelho, alisava o cabelo e reclamava como tinha demorado tanto para crescer.
Não precisamos ir muito longe para perceber o que de fato estava incomodando Maria: a queda do cabelo devido à quimioterapia. Pois bem, no dia seguinte, em outra visita, fui convidada por Maria para a brinquedoteca, chegando lá ela me disse: “Tia, vamos brincar no computador?”. O primeiro que ela escolheu foi o jogo de salão de beleza, que trazia no centro da tela uma boneca e nas laterais acessórios de cabelo, tesoura, secador, prancha, entre outros. O jogo consistia em produzir a boneca utilizando os recursos já citados e para mudar o seu “visual” bastava apertar em um botão que o cabelo da boneca crescia e voltava a ser como no início da brincadeira. Através de perguntas como: “Tia você prefere a boneca de cabelo comprido ou de cabelo curto? Se eu raspar a cabeça dela o cabelo cresce de novo, né? Tia, você sabia que quando a gente aperta esse botão o cabelo cresce outra vez?”, pudemos elaborar as questões de Maria quanto à queda de seu cabelo. E assim, atenta a tudo a que falava e fazia no computador, pude ir conduzido e ajudando nossa paciente a lidar com esse fator estressante presente no tratamento do câncer infanto juvenil: “Maria, a boneca terá sempre o mesmo rostinho, com cabelo comprido ou curto, viu? É verdade Maria, quando apertamos esse botão o cabelo cresce outra vez, igual quando as crianças acabam de fazer o tratamento com a quimio, né?” E a pequena concluiu por si mesma: “Então meu cabelo vai crescer sempre que eu acabar de tomar todas as quimios, quando eu ficar boa de novo!” Soube que depois de nossa divertida e produtiva manhã na brinquedoteca, Maria passou a colaborar melhor com o tratamento.
Ratificamos assim, que só o simples fato de brincar já é importante para a criança, pois proporciona alegria e distração, aliviando dessa maneira o estresse. Porém, na hora em que utilizamos o brincar de forma terapêutica, levamos em consideração que quando a criança brinca não está apenas imitando o que ela vê, mas adicionando um pouco do seu próprio mundo e do que ela sente. Alguns especialistas afirmam que é como se o brincar ajudasse a traduzir o que está acontecendo para a sua ‘realidade infantil’ diminuindo, assim, o sentimento de impotência da criança.
Como vimos no exemplo acima, o brincar é muito importante para interação entre crianças, acompanhantes e equipe hospitalar. Quando a equipe de saúde proporciona momentos de brincadeira à criança, pode facilitar o seu próprio trabalho, incentivando sua adaptação ao tratamento e cooperação com os profissionais.
Escrito por Juliana Barbalho – Psicóloga – Casa Durval Paiva.