As normas éticas e jurídicas da sociedade brasileira contemporânea apresentam paradigmas legais que prezam pelo reconhecimento e garantia de direitos sociais. No entanto, a realidade social na qual vivemos, impossibilita as condições reais de qualidade de vida dos sujeitos. Nesse sentido, ainda que ganhe reconhecimento legal, a dimensão dos direitos sociais necessita de condições concretas para sua materialização e garantia do impacto efetivo sobre a vida dos indivíduos.
Este é o caso das crianças e adolescentes com câncer assistidos pela Casa Durval Paiva que vivenciam uma realidade particular de negação e não efetivação de seus direitos, como muitas problemáticas sociais existentes na sociedade moderna, realidade social determinada pelas contradições sociais de classe, de gênero, cultura, dentre outros.
Historicamente, as problemáticas sociais decorrentes das desigualdades tomaram expressões nas lutas de classes e isso se processou como mediação político-econômica da esfera do Estado. Da sua ação política depende a garantia e o acesso igualitário dos cidadãos aos serviços e programas, garantindo assim a efetivação do direito aos cidadãos.
Somente quando a questão social e suas múltiplas expressões começam a emergir na esfera da sociedade brasileira, durante o período de redemocratização política e de efervescência da participação da sociedade civil em relação a seus direitos, é que a questão da criança e do adolescente começa a ganhar espaço nas mesas de debates, revelando que a sua política de atendimento era ineficaz, visto o agravamento de sua situação. Profissionais ligados a este segmento e parte da sociedade civil se uniram em prol dessa ação, na busca de uma política de atendimento que os considerasse como sujeitos detentores de direito. Esta luta teve sua primeira e significante conquista com o art. 227 da Constituição Federal de 1988, que reconhece a criança e o adolescente como pessoas em condição peculiar em desenvolvimento, cidadãos possuidores de direitos.
A Política de Atendimento determinada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) volta-se para a garantia de direitos desde os básicos até os de caráter especial, ainda define quais são os papeis da sociedade civil, do Estado e da família.
Muito já se conseguiu mudar após o advento do ECA, mas é preciso atentar para que essa mudança de conceito, de atribuições e de metodologia de ação, que sugere o Estatuto ainda esbarra nos dias atuais com ranços do antigo Código de Menores. E isto se dá, prioritariamente, porque este último concerne em uma visão superficial e acrítica da realidade, cuja intervenção é meramente focalista e artificial, com implicações no aparente.
No contraponto, o ECA requer uma ótica mais crítica capaz de compreender que essas famílias e, principalmente, essas crianças e adolescentes são cidadãos detentores de direitos, no entanto, são os mais afetados pelas desigualdades sociais no país e, por isso, a política de atendimento deve se dar de forma organizada e articulada, na garantia de acessibilidades de seus direitos.
Diante do exposto faz-se necessário o olhar para a criança e o adolescente com câncer, investindo na identidade que ainda não foi comprometida pelas desigualdades sociais a qual são expostos, proporcionando a garantia e efetivação dos seus direitos de modo a contribuir para cidadania, dignidade e qualidade de vida dos pacientes. Este é o maior desafio, tendo em vista a conjuntura neoliberal que preconiza o atendimento fossilizado e compensatório por parte do ente público.
Escrito por Cícera Katiucia da Silva – CRESS/RN 3595 – Assistente Social.