O processo de hospitalização ocasiona diversas mudanças na rotina dos sujeitos que o perpassam em qualquer momento da vida. Além das mudanças físicas, há o surgimento também de sintomas emocionais que necessitam ser observados e cuidados. Para crianças e adolescentes, o diagnóstico e a hospitalização podem ser vivenciados como uma situação traumática, em que o sujeito “deixa de ser criança” para dar conta da nova rotina, repleta de exames, procedimentos, medicações e restrições. As condições do tratamento quebram sua rotina de vida, podendo alcançar sua totalidade de modo que o seu desenvolvimento físico, emocional, social e cognitivo seja afetado.
Quanto mais prolongado o tratamento médico, maior deve ser a atenção às necessidades apresentadas pelo indivíduo. Crianças e adolescentes diagnosticados com câncer, por exemplo, passam longos períodos vivenciando a rotina hospitalar, em detrimento da sua rotina de vida habitual. Em meio a este contexto, percebe-se que as perdas estão presentes em diversos aspectos da sua vida, entre eles, as relações familiares e sociais (escola, igreja, esportes, lazer, dentre outros). O resgate dessa rotina, mesmo adaptada ao contexto hospitalar, tem bastante relevância e impacto sobre os resultados médicos obtidos, mostrando a importância de cuidar do sujeito de forma integral, com ações humanescentes aliadas ao tratamento de saúde.
Mesmo diante das mudanças acarretadas pelo surgimento da doença e da necessidade de realizar o tratamento, o processo evolutivo do ser humano continua com as necessidades próprias de cada idade. Dentre estas, incluem-se os aspectos emocionais, psicossociais e educacionais. Durante o desenvolvimento das habilidades motoras, por exemplo, a criança aumenta a autonomia e o autocontrole. Esse fato marca a sua primeira emancipação com relação à mãe. A partir dos 3 anos, a criança acredita que há regras para a manutenção da saúde e pode apresentar retraimento, pânico ou agitação motora quando há o surgimento de doenças.
Parte do desenvolvimento da criança e do adolescente ocorre dentro do contexto escolar e é nele que se percebe o maior impacto das perdas. Levando-se em consideração que este é o ambiente de maior interação, socialização e apreensão de conhecimentos diversos acerca da sociedade a qual está inserido, esta é uma das primeiras e mais significativas privações vivenciadas durante o tratamento, nesta fase da vida.
Nesta perspectiva, oferecer ao paciente o suporte educacional, mesmo que seja no ambiente hospitalar, possibilita o resgate de parte da sua rotina, oportunizando o desenvolvimento continuo paralelo à atenção a saúde. As atividades educativas realizadas na Casa Durval Paiva, por exemplo, ocorrem através do serviço do atendimento pedagógico hospitalar e domiciliar. Nestes espaços, o paciente tem acesso à sala de aula, tanto no hospital, quanto na casa de apoio, sendo possível sua participação efetiva nas atividades propostas.
Nesse contexto, diversas propostas educativas são possíveis, como por exemplo, a aplicação de projetos pedagógicos onde podemos reunir diversas áreas de conhecimento partindo de um tema gerador, oficinas de desenho, música, musicalização, teatro, passeios, informática, além da intervenção pedagógica sobre os conteúdos formais trazidos da escola regular. Com isso, é possível dar continuidade ao desenvolvimento educativo aliando a aprendizagem com a interação, socialização e integração deste aluno com os seus pares, aliviando o cansaço da rotina hospitalar, oferecendo a estes uma perspectiva de futuro para além da doença.
Na sala de aula também é possível perceber mudanças no comportamento e desenvolvimento das crianças decorrentes do tratamento médico, oportunizando a intervenção de outros profissionais.
A queda de cabelo, perda de peso, cansaço e a limitação na participação dos jogos e brincadeiras pode fazer com que a criança que enfrenta tal situação se sinta insegura por achar que é incapaz de realizar determinadas atividades, podendo haver perda da autoestima, sentimento de inferioridade e uma descrença de que a sua vida pode voltar a ser como era antes. Nesse momento, torna-se oportuno trabalhar a inclusão com o grupo, por vezes, abordando a própria doença, fazendo com que ela se empodere da sua situação atual e possa enfrentar as adversidades da vida com o apoio dos colegas e das intervenções multiprofissionais. Este trabalho pode ser realizado através de atividades lúdicas como: jogos, brincadeiras, rodas de conversa e leitura, contação de histórias, entre outras.
Assim, vale ressaltar que, toda possibilidade de intervenção supracitada ocorrerá de forma significativa com o apoio da equipe de saúde e, principalmente, com o compromisso e envolvimento da família, pois mesmo em vigência de tratamento médico, os indivíduos podem e devem ter uma rotina de vida, ainda que diferente da que se tinha antes do diagnóstico.
Laíse Santos Cabral de Oliveira – Psicóloga CRP 17-3166 Casa Durval Paiva