Adelaide Alaís Alves Targino da Silva
Psicóloga – Casa Durval Paiva
CRP 17/4085
Quando um profissional se submete a trabalhar com o processo de adoecimento ele deve estar preparado para um eterno aprender e reaprender, portanto ele deve estar aberto para essa experiência e, consequentemente, não saíra o mesmo, seja como pessoa ou profissional.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1948 afirmou que, saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas a ausência da doença, ou seja, o cuidar vai para além do diagnóstico médico, seja ele qual for. Os processos de adoecimento, principalmente os que ameaçam a vida de alguma forma, não se resumem apenas ao adoecimento físico, mas também a um luto simbólico de algo que não está mais presente, gerando nos indivíduos sentimentos ambivalentes, de medo, estresse, ansiedade, tristeza e culpa. A forma como cada pessoa vivencia um diagnóstico é subjetiva tanto para ela, quanto para o grupo ao qual pertence, envolve contextos históricos com outros adoecimentos, fases do desenvolvimento, idade e como lida com as perdas.
O psicólogo vai atuar na linha de frente desse processo de elaboração e ressignificação do adoecimento fazendo uma ponte entre o indivíduo, seus familiares e equipe. Quando uma pessoa está enfrentando uma doença, tudo o que ela tem como crença, ideais e o que pensa sobre o mundo e se mesma são colocados à mesa. Mudanças no corpo, rotina, família, trabalho e finanças começam a surgir, fazendo-a acreditar que ela perdeu totalmente o controle, algo que comumente não se está preparado para enfrentar.
O profissional irá auxiliar no momento do diagnóstico de forma que, o sujeito e os envolvidos conheçam o diagnóstico, suas estratégias de enfrentamento e suas possibilidades de adaptação para a nova realidade. Cada pessoa irá interpretar o processo de adoecimento de forma diferente, portanto, o tratamento vai se estender a todos os envolvidos de forma singular desde o paciente, redes de apoio, seus familiares, cuidadores e profissionais. O respeito e um ambiente onde essa subjetividade possa ser expressada vai trazer ao paciente e seu acompanhante a oportunidade de elaboração diante da nova realidade. Os sujeitos precisam sentir-se seguros que poderão trazer seus maiores medos e seus pensamentos mais íntimos e serão ouvidos de forma genuína, acolhedora, ética e profissional.
Trazendo um pouco para nossas experiências, no percurso nos cuidados a pacientes acometidos com doenças que ameaçavam a vida, especificamente pacientes oncológicos na Casa Durval Paiva, vivenciamos junto a esses pacientes e familiares as mais diversas formas de enfrentamento. Ainda que tenhamos a teoria, a prática nos mostra que ninguém vivencia do mesmo jeito pois, muitas vezes, as dores vão para além do adoecimento.
Alguns episódios marcantes que podemos exemplificar essa questão: em uma visita de rotina, quando uma mãe não sabia como introduzir o uso da touca para a filha que acabará de cair todo o cabelo. O marido não tinha conseguido e para ela também era muito ruim, porque sempre lembravam dos cabelos longos e cheios da filha e começavam a chorar. Participamos desse processo e foi diferente de tudo que já vivenciamos. Outra situação foi em meio a uma dinâmica grupal (Projeto Grupo Mãos Dadas voltado para as mães e acompanhantes), durante uma dinâmica onde era preciso dizer o que sentiam falta, uma mãe relatou sentir falta de como o filho era antes de ser amputado, de como ele era antes de tudo, “não faltava um pedaço”.
Esses relatos reais, só reafirmam que o cuidado transcende não somente a visão do diagnóstico e patologia, mas temos que estar atentos aos pequenos detalhes, discursos marcantes de uma mãe que ainda não elaborou a perda do membro de um filho e que se sente culpada por ainda ter falta disso, mesmo que o filho esteja bem. Outra que ainda sente pela dor da vaidade da filha e se vê sem poder fazer nada, apenas buscar estratégias que possam de alguma forma atenuar o momento. Com isso, vemos que a perda da saúde é bem mais que só a ausência de doença e é nesse contexto que atuamos, nesses relatos diários ou nos olhares que nem mesmo as mais elaboradas palavras conseguiriam descrever.