O tratamento do câncer na infância e na adolescência tem apresentado um progresso nas últimas décadas. Segundo dados do INCA (Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva), do ano de 2016, 80% das crianças e adolescentes com câncer têm a chance de ser curadas, desde que o diagnóstico seja precoce e o tratamento seja realizado em centros especializados. Mas, o que fazer com os pacientes que não se enquadram nessa porcentagem? Diante dos casos que evoluem com dor e sofrimento, o que deve ser feito quando a terapêutica específica não é efetiva? O cuidar quando não se pode curar.
Infelizmente, para muitos aqui no Brasil, dizer que o paciente está em cuidados paliativos é sinônimo de que não há mais nada a ser feito por ele. Se para muitos, a comunicação do diagnóstico do câncer está associada à sentença de morte, quando se recebe a notícia de que o paciente está fora de possibilidade terapêutica curativa – em Cuidados Paliativos – a associação à sentença de morte é ainda maior.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os Cuidados Paliativos são cuidados ativos e totais aos pacientes quando a doença não responde aos tratamentos curativos. O controle de sintomas (psicológicos, sociais e espirituais) torna-se prioridade, pois o objetivo é alcançar a melhor qualidade de vida possível, tanto para o doente, quanto para a sua família. A OMS amplia o conceito dos Cuidados Paliativos, afirmando que não há aceleração da morte, que existe uma afirmação da vida e considera o morrer como um processo natural da vida humana. Como também, defende a procura no alívio da dor e dos desconfortos, a integração dos aspectos psicossocial e espiritual nos cuidados do paciente e o oferecimento do apoio para ajudar a família a suportar as questões durante a doença do paciente e no processo do luto.
No momento em que o paciente entra em Cuidados Paliativos, percebe-se que é uma etapa cheia de perdas, dificuldades e medos. Há o medo da dor, da piora dos sintomas, do não-dito (segredos e questões em aberto), de não finalizar tarefas importantes, da própria morte e do pós-morte. Alguns pacientes questionam se morrer será dolorido, por exemplo. Na medida em que eles se permitem conversar e expor suas inquietações/dúvidas, estas perguntas podem ser elaboradas e sanadas, possibilitando a criação de novas estratégias de enfrentamento para o processo de tratamento.
Mesmo diante de todo o sofrimento frente ao tratamento, o câncer pode criar um novo sentido para a vida das pessoas. Geralmente, elas fazem reflexões sobre a vivência de seus sentimentos, suas inseguranças e seus medos. A família também vivencia esses sentimentos, cada um do seu jeito particular. Ambos pensam no futuro incerto. Nos casos em que não se pode alcançar a cura, há muito que ser feito como: disponibilizar medicações para o controle da dor, viabilizar a realização de vontades e desejos, respeitar a dignidade e resgatar a autonomia do paciente em relação ao seu tratamento, dando o direito de participar das decisões da equipe.
É essencial que haja uma equipe interdisciplinar humanizada para oferecer suporte, com ênfase na qualidade de vida. Cabe a todos os profissionais criar um espaço de acolhimento, empatia e segurança, que possa facilitar a verbalização dos sentimentos e desejos.
A ressignificação de vivências, a exploração de recursos de enfrentamento, o favorecimento de uma comunicação mais eficaz e clara entre a tríade paciente-família-equipe e a estimulação dos rituais de despedida entre o paciente e seus familiares, são algumas das possíveis intervenções terapêuticas para o psicólogo. A prática dos rituais de despedida entre familiares e pacientes pode prevenir o surgimento de sintomas psicológicos, por possibilitar a elaboração de conflitos familiares e de possíveis sentimentos de culpa.
Trabalhar com Cuidados Paliativos é estar com o paciente e pensar no controle dos sintomas físicos e psicológicos, em busca de uma melhor qualidade de vida. É pensar em qual é o sentido da vida, como também, no significado e sentido da morte. É lembrar que a morte dá sentido a vida e que a qualidade da morte reproduz a qualidade de vida que se teve.
Escrito por Laíse Santos Cabral de Oliveira – Psicóloga – CRP 17-3166.